Uma fábula contemporâneaNeila Baldi style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">
Em uma terra plana distante um soldadinho mequetrefe governava como o Reizinho Mandão, da Ruth Rocha. Autoritário, não gostava de ser contrariado. Falou a verdade? É demitido. E, então, ao seu redor, havia um gabinete paralelo de poder, daqueles que diziam amém - pois, afinal, Deus está acima de todos. Diariamente, ao sair do seu palácio para a casa de vidro, ele mugia, conversando com o gado. Às vezes, no estábulo, havia animais racionais perguntadeiros. Se fossem mulheres, eram caladas aos berros. Se homens, o reizinho mandava perguntar para suas mães... Com um exército de milicianos ao redor, ia destruindo tudo. Mas dizia que era patriota. Na verdade era um ufanista. Pois, como diz aquela canção: "Quando a gente ama, é claro que a gente cuida." Amaria alguém além do seu próprio umbigo? A PESTE Enquanto passava a boiada em todas as conquistas do povo, do tempo da terra redonda, o cidadão de bem não viu que algo tão ruim quanto ele estava vindo: a peste. E ela chegou com tudo, num rastro de destruição. Pois não é que o cabra ruim se aliou a ela? Quanto mais pessoas morriam, mais ufanista ele ficava, e mais regozijava: não precisaria se preocupar com o povo, apenas com o reinado. Mas o tempo virou, descobriu-se que, para todo mal, há cura. E, para não terminar como Luís XVI, ele resolveu lançar mão de uma estratégia adotada naquele país, no qual os portugueses chegaram em 1500 e deram o nome de uma árvore. Um dia, a árvore de madeira vermelha foi dominada por coturnos, que matavam nos porões aqueles e aquelas que se opunham. Naquele tempo, uma TV fez um concurso musical para embalar o time de futebol da republiqueta de bananas: "De repente é aquela corrente pra frente". A CURA Por que não repetir na terra plana o exemplo de sucesso da árvore vermelha? Todos juntos, vamos, pra frente? E, então, ele, que antes de ser reizinho mandão dormia em seu trabalho - e segue dormindo acordado - teve um rompante de rapidez. Disse sim! O sim que não deu à cura da peste, deu aos times de futebol do continente ao redor (?) da terra plana. Quem sabe o canarinho repete o tempo dos coturnos e numa onda ufanista sua popularidade se eleva? Afinal, que mal há em trazer pessoas de diversos países para uma terra plana que virou celeiro de cepas da peste? O que importa é o canário cantar. Do que me resta dos tempos da terra redonda, cantarolo daqui que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais", pois a história se repete. E lembro que o autor da canção morreu da peste, mas nos deixou a esperança, dizendo: "Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente."
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Sem dor, não há recomeço Noemy Bastos Aramburú style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever"> Todos os animais racionais ou irracionais passam por processos imprescindíveis para sobreviver, um exemplo deles é a águia, a ave que possui a maior longevidade da espécie, chegando a 70 anos. Para que isso aconteça é necessário um processo doloroso, que depende de uma decisão dela, a qual definirá seu futuro. Aos 40 anos, suas unhas estão compridas e flexíveis, o que a impede de alimentar-se, não consegue mais agarrar as presas, das quais se alimenta. Mas seus problemas não param por aí, o bico cresceu alongado, pontiagudo, que com o tempo curva-se contra o peito. As asas envelhecidas tornam-se pesadas, em função da grossura das penas, quase impossível voar. Neste momento, ela tem duas opções: suicidar-se, isto é, morrer, ou enfrentar o processo; sabiamente ela escolhe enfrentar o processo, que não é curto, dura até 150 dias. Voa até o alto de uma montanha, aninha se próximo a um paredão, e, lá chegando, começa a bater o bico contra a parede até arrancá-lo, sentindo muita dor. Depois de arrancá-lo, espera o bico nascer, neste período não se alimenta, fica aguardando pacientemente que o novo bico cresça. Quando o bico chega no tamanho certo, entra na segunda fase: arrancar as unhas velhas com o bico novo, num processo doloroso. Novamente, o processo de espera com paciência, aguardando o crescimento das unhas. Com o bico novo, unhas novas, ela passa a terceira fase, arrancar as velhas penas com as unhas, entrando na espera paciente do nascimento das novas penas, fechando assim, o processo do renovo. Como ela escolheu uma montanha alta, sai para seu vôo firme e pleno, com bico, unhas e penas novas, para viver mais 30 anos. O que tiramos desse aprendizado? Primeiro, a águia procurou o renovo sozinha, resguardada, em um lugar alto, desprendeu-se das coisas que lhe fazia mal, que lhe prejudicava, que lhe impedia de voar, de enxergar alto, de ver o sol. Mas para isso sentiu muitas dores ao desprender-se, teve paciência para esperar o crescimento de todas as coisas, uma por uma, só passava para o processo seguinte, após ter se superado o anterior. Teve sabedoria para ir arrancando o bico, unhas e penas, nesta ordem, pois se fosse invertida, certamente sucumbiria. Além da inteligência e da sabedoria, teve paciência, ingrediente necessário para o renovo. Mas isso só dependeu dela, assim como só depende de nós o renovo, processo íntimo e individual, aqui, não há "copia/cola", aqui não há parceiro, trata-se apenas do "eu". Interessante, também, é que precisamos nos desprender do passado, como fez a águia, para viver o novo e aproveitar o nosso novo eu, resultado da renovação. Que esse momento pós pandêmico, pós-covid, permita nos alçar novos voos, renovados, livres do passado. Voe, aproveite a nova vida que Deus nos tem dado.
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